quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Carta de uma mãe de um homem transexual dirigida a outros pais

Para os pais como eu…



O cérebro dos homens não é igual ao das mulheres.
Um Transexual é um ser que nasce com um cérebro de um sexo no corpo de outro sexo. Como não podemos modificar o cérebro, modifica-se o corpo.

(Dr. João Décio Ferreira – Cirurgião plástico)


O caminho é longo e doloroso. Os pais dos transexuais sofrem, zangam-se, têm dúvidas, sentem responsabilidade no que aconteceu e a maior parte das vezes nem sabem bem do que se trata.

Depois de perder um bébé com 3 anos de uma forma súbita e trágica, o mundo desabou. Ao fim de cinco anos fiquei grávida e sempre pensei que seria um rapaz.

Quando nasceu uma menina a alegria foi a mesma, a infância foi normal, a adolescência é que não. Hoje, olhando para trás, vejo os pequenos sinais de alarme que foram crescendo ao longo do tempo até ir a uma psicóloga, aos 19 anos, que me telefona a dizer do risco de suicídio.

E quando em conversa me diz que finalmente sabe que é um transexual, fiquei desorientada a perguntar:
- Mas o que é isso?

Fui ver documentários, ouvi palestras dos canais estrangeiros que me falavam em prostitut@s, vida nocturna e descriminação social e eu sabia que não era nada disso.

Então dirigimo-nos, meu marido e eu, a um psiquiatra e falámos longamente com ele. Foi aí que percebi que não valia a pena lutar, mas sim apoiar, aceitar, ajudar.

A alma mais que os olhos chora de tristeza, de angústia, de aflição. E agora? A minha linda filha vai ser escortejada, amputada? E se não corre bem? Como vai a sociedade aceitar isto? E a família, o que vai dizer?

O caminho é duro, é longo, é difícil, mas se os pais apoiarem e aceitarem, lá chegaremos.

Primeiro veremos a mudança da parte exterior, a seguir as operações, mais tarde a luta pela mudança de nome, a busca de empregos que lhes são negados só porque são diferentes. Graças a Deus têm um médico extraordinário que os trata como família, que se preocupa, que os opera, que os ajuda. À medida que vão avançando no processo, mostram-se mais felizes, mais confiantes, com vontade de viver.

E nós pais? Vamos pô-los de parte como fazem os outros? Vamos obrigá-los a ser o que não são? Vamos chantageá-los com dinheiro, ameaças, etc?

Finalmente temos que pensar que se nós sofremos, eles sofrem o dobro. Sofrem mais que os homossexuais e as lésbicas que não têm que se sujeitar a operações difíceis e dolorosas, nem têm que mostrar o B.I. de mulher quando fisicamente são homens e vice-versa; que não têm que se sujeitar a um exame desumano no Instituto de Medicina Legal, que não têm que ir ao Tribunal e em frente de um Juiz justificar o pedido de mudança de nome e de sexo legal.

E isto dura anos e anos.

Eu perdi uma filha triste, fechada e revoltada, mas ganhei um filho feliz, forte e com garra de viver.

Deveríamos fundar uma associação de pais de transexuais?

Talvez ajudasse falarmos uns com os outros, mas de uma coisa tenho a certeza; é nossa obrigação de pais, pelo amor que lhes temos de os ajudar até a exaustão, de compreender mesmo não compreendendo bem e sobretudo de os amar e apoiar incondicionalmente.


De uma mãe (69 anos).

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